Mysterious Skin, 2004
- Expressate AESL
- há 20 horas
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Mysterious Skin aborda, de forma crua e intensa, a maneira como as pessoas enfrentam os traumas e as marcas que estes deixam. Ao longo da história, acompanhamos Brian e Neil, duas personagens jovens que, após viverem o mesmo abuso na infância, trilham caminhos muito diferentes para lidar com isso: Brian não se lembra de nada, enquanto Neil não consegue esquecer, ou seja, o filme é uma jornada de como ambos lidam com a verdade.
Para mim, este filme é perfeito, porque representa, de forma genuína, a realidade de muitas pessoas e foi isso que mais me afetou. É um tema pesado que nos faz refletir bastante sobre a forma como situações tão desumanas realmente acontecem na nossa realidade e não só em filmes.
Em Mysterious Skin, Brian e Neil são abusados pelo seu treinador de basebol. Neil era o favorito do treinador e recebia um tratamento especial, o que o fazia sentir importante, especialmente, porque não tinha um pai presente e a mãe, apesar de gostar muito dele, estava, muitas vezes, ausente.
Assim, a atenção e o carinho do treinador tornaram-se essenciais para ele. Quando os abusos começaram, Neil, sendo criança, não reconheceu aquilo como errado, porque a pessoa que lhe transmitia mais confiança e carinho era justamente quem o estava a colocar naquela situação. O pior é que este trauma moldou a vida de Neil, de forma profunda, isto é, afetou a sua maneira de ver o mundo, a sua sexualidade, a sua existência, as interações que tinha com as outras pessoas, o vazio e a indiferença em relação ao que lhe acontecia. À medida que foi crescendo, continuou a achar que aquele tipo de amor era o “certo” (não totalmente, mas era aquele a que estava habituado). Então, acabou por se “vender” a homens mais velhos, para sentir, novamente, aquele “amor”, mesmo que de forma errada. Era, afinal, a única maneira que ele conhecia e isso é o mais trágico e triste.
Já Brian foi completamente diferente. Nunca esteve nos planos do treinador e também não tinha grande destaque no desporto, mas, infelizmente, foi apanhado no meio. Era uma criança doce e inocente, com pais presentes e uma irmã com quem se dava muito bem. Sempre muito frágil, tratado com cuidado e um carinho excessivo, por parte da mãe, e, por isso, quando o abuso aconteceu, a sua mente bloqueou o que se passou. E, como consequência desse bloqueio, Brian nunca chegou a saber,
Realmente, o que tinha acontecido, apenas sabia que desmaiava e acordava sem entender nada. Então, a cabeça dele começou a criar fantasias sobre aliens como mecanismo para lidar com o trauma, de uma forma muito inocente. Além disso, havia sido manipulado para chegar àquela posição, pois o treinador usou Neil para o atrair.
Ao longo da vida, Brian continuou a lidar com tudo de forma doce, mas a curiosidade sobre o que, realmente, acontecera permanecia dentro dele, mesmo que se manifestasse através da fantasia dos aliens. Aos poucos, foi tentando investigar mais a verdade, mas, sempre que se aproximava, a sua consciência voltava a bloquear e ele desmaiava logo a seguir. Numa dessas tentativas, conseguiu lembrar-se de Neil e foi atrás de respostas, porém, foi nesse momento que tudo piorou.
No final, assistimos a uma das cenas mais vulneráveis e tristes, quando Neil e Brian, finalmente, se reencontram, após 10 anos. Brian só quer respostas, Neil entrega-as, mas não da forma que ele esperava, destruindo a sua noção da realidade, mas, mesmo assustado, insiste em ouvir até ao fim. Naquele momento, ambos se conectam, de maneira devastadora, por terem passado pelas mesmas circunstâncias, mostrando como o trauma os persegue, desde a infância até à adolescência e para além disso. Percebem que nunca poderão apagar o passado, mas que, agora, juntos, não estão sozinhos e podem aprender a lidar com este, da maneira certa. É um final intenso, que magoa e deixa quem está a ver sem palavras e com lágrimas nos olhos, fazendo-nos refletir sobre a quantidade de pessoas que se podem identificar com esta história.
Não recomendo, mas é um filme perfeito e incrível pela representação crua da realidade.
Letícia Soares, 12.ºC



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